sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Rara harmonia

Eram cinco da madrugada
quando ela, delicada
alumiava a praça vazia e pacata
repelindo a escuridão com alvor de prata.

Ela encantou o tempo e a mim mesmo
e fez de planos plenos fantasia.
Deitado atordoado ao relento e a esmo
eu estava parado atravessando noite vazia.

Que presente singular me foi concedido!
Fez meus olhos encontrarem sentido
na luz que banhava meu corpo estendido na areia!

Eles conseguiram abrandar este coração afoito
juntos: eclipse, solstício e lua cheia.
Agradeço ao encontro esperado desde 1638.


(Marco de Moraes) 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Querer bem comum

A felicidade é um distúrbio. Se ela fosse um vírus ou uma doença, eu te contagiaria e me esforçaria para jamais encontrar a cura. Caso anômala, que deixe de sê-la fora do alcance de uma podridão qualquer a nos entediar e nos estremecer enquanto acordados. Desperte, reflita. Quanta teimosia há até o limiar do reconhecer de um sorriso (este sim, contagiante) que com esmero nos provoca por inteiro, até a nossa ínfima parte, e nos faz enxergar melhor a vida? Recusei ver alguém a mirar o firmamento esperando o sentido lhe cobrir fugidio mesmo sem razão para ser melhor. Esperou, cansou-se e desistiu de si. Não me cabe compreender como há tolos que ergam os braços, dizem-se fieis a Ele e nunca O encontram, mesmo pondo firma que Ele está em todo lugar. Pouco posso falar: a senhorita sobre a qual escrevo aqui já bateu à minha porta, mas fui incapaz de destapar os ouvidos para lhe dar atenção. Ao me destrancar e abrir o portão, lá só restava o vão. Recordação agradável guardei nas minhas brincadeiras vespertinas as quais éramos pés descalços, pedaços de madeira velha, garrafas encardidas, uma bola surrada e um longo tapete escuro de asfalto, além de berros juvenis. Éramos felizes, apesar de nossos reclames serem infundados porquanto condizíamos com condições e limites do nosso entender e, passado o tempo, vezes não faltaram para novos queixumes. Discorro aqui sobre o quão feliz foi o apaixonado assim que provou do doce beijo deveras desejado, mais feliz ainda foi aquela que aceitou ser íntima de novos lábios que acariciavam os seus. Deixe disso. Assuma o seu querer bem e cochiche em cada rua assim que puder perturbar toda vizinhança, de porta em porta, e depois me conte que encontrou o melhor rumo para gozar a vida... Sem prumo, não há pés que suportem andar em descaminhos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Sirius

Estrela noturna, que chega soturna a enveredar os anseios desta alma pedinte, vem, aparece e responde ao chamado que marca a despedida do calor vermelho sobre o campo.

Estrela esperança, dança pela lona escura feita de céu e afasta a vontade da próxima tempestade por amedrontar a todos com broncas de trovões irritadiços. Sê boa conosco e nos absolve da saudade tua que dura desde a manhã à chegada do anoitecer.

Estrela inocente, traz a verdade sem pejo, o desejo absoluto. Satisfaz este pedinte convencido de que o teu brilho é ímpar e a tua existência foi escolhida pelo destino para encher os olhos com beleza que ofusca as damas da realeza, as camponesas da terra, as tecelãs no tear.

Quando o descaso for omisso, que eu possa apontar com orgulho na tua direção a fim de mostrar os feixes luminosos que indagam os poetas, amantes da vida, e que assim eu convença os musicistas a saírem dos seus lares já de instrumentos em mãos. A orquestra desconhecida que formaremos em festa aberta será esperta a entoar canções para pularmos sorridentes e rejuvenescermos as vontades guardadas nas sombras de nós mesmos.

Estrela, prospera acima da terra, além-mar, torna-te a cura das vidas vazias. Sê o oposto do fim. Se existe um último apelo que me impede calar, peço para ter a promessa que a tua luz nunca irá se apagar.