sábado, 28 de abril de 2012

Rotina

Nomeou incômodas as sensações de fadiga, manifestando com sorriso singelo a alegria do encaixar de chave na fechadura ao chegar em casa tão tarde. Como a palavra perfeita havia fugido, aceitou se considerar "morta".

O capacho chiava, o trinco se retirava, ela coloria a sala dando vida ao lustre pendente no teto enquanto acessava a entrada roçando os calcanhares para retirar os calçados. Aquilo era tão bom para aliviar calos doloridos! Os sapatos caíam deixados de qualquer jeito sobre o tapete onde correspondências persistiam intocadas desde a tarde anterior.

Contas, quantas contas...

Seu corpo retrucava com estalos quando se espreguiçava, e estapear as roupas certamente a livraria das mazelas daquele dia que, de tão cheio, tinha parado apenas para engolir o lanche sem tempo para trocado entre os trabalhos.

Àquela altura, preparar café e sentir seu odor amenizaria os ânimos, assim como esquentar pão com manteiga a reanimaria para um banho quente antes de se deitar. Pertinaz, não se fazia vítima da rotina pesada porque, no fundo, sonhava com o aguardado dia em que as mudanças há tanto planejadas finalmente aconteceriam graças à dedicação nas telas em que pincelava suas doses de alma nas horas vagas.

Ela queria bem, queria mais, mas sabia não ser pedir demais viver daquilo que tanto se gosta.

(Marco de Moraes)