segunda-feira, 24 de junho de 2013

Várias e única (às Marias)

Calor de fogo no feijão, fundo no barro da panela; colher de pau distraída na mão, os olhos firmes na janela. Além de pulsos e suspiros inocentes antes do jantar, no peito de Maria cabia a falta de Severo, seu homem, que desde ontem saiu para trabalhar confortando um copo de café na barriga e um pão enrolado em panos. Apesar de breves, suas despedidas tinham o encanto do sabor de bem-querer, sempre após o galo cantar, um tanto antes de o dia nascer, e faziam de Maria Moça solitária desde as primeiras às últimas horas de cada dia.
       Jovem quase pronta, ela tinha desejos de mulher, dona de feições meninas cujos sorrisos ante a fogueira na sala sossegavam os receios da promessa que fizera ao consorte: proteger o filho bebê sem jamais negar ninar, além de oferecer peito a cada choro pedinte e colo ao menor gemido no berço magrelo ao lado da cama.
       Suor dele lá, esforço dela cá. Os afazeres eram muitos, as horas sem relógio pareciam uma. Maria Morena deixava cair os fios negros sobre o ombro que segurava o leve vestido florido enquanto espiava a porta da frente, além da janela e quintal, isso antes de varrer todo o chão de tal sorte a enxotar o pó e as incertezas, antes mesmo de despir os pés para se ajoelhar e pedir em preces a Padre Cícero que nunca faltasse um grão sequer em casa.
       Flor difícil do sertão, Maria Sonhosa via muito no redor modesto, de poucos porquês, morada em que habitava a certeza de que nacos de giz e uma louça rachada serviriam para educar um filho como ninguém mais seria capaz. Não à toa, o amor de Maria Mãe ia muito além de apenas dar à luz.

(Marco de Moraes)