Eu vou, mas não se chateie, não, quem decidiu ir fui eu. Aviso que vou tentar ganhar o que comer nas terras de longe, bem longe, porque aqui a miséria aperta a barriga até doer e nesta terra nada mais dá, eu já tentei. Aqui o chão de barro rachado é tão seco que até o Damião, aquele calango que eu criava, morreu, mas escondi o corpo dele na sombra do mandacaru atrás de casa.
Levo na cintura a moringa de couro sem água, o chapéu furado na cabeça, a peixeira cega na bainha, e nas costas carrego o violão com as três cordas que restaram; lá, ré, mi... a última que se arrebentou me ensinaram, mas eu esqueci. A vontade fez que nem a rima de sanfona no peito, veio me tirar a secura de garganta com as lembranças do cheiro de cajá roubado na feira da cidade, sempre lambuzando a boca quando mordia.
Eu vou, mas prometo que volto
estudado, de roupa limpa e cabelo penteado, pois quero ser doutor. O
senhor me obrigou a ler e escrever, agradeço muito por isso. Mais
uma vez digo que não é nada com o senhor, nem com a mãe ou a irmã,
coitada, é com a chance de viver diferente. Eu sabia desde menino
que eu podia ter o que quisesse, que é só ter vontade; vou aos
dezoito, mas volto aos trinta e três, quero ter tentar uma vida de
certeza para deixar estes dias de talvez.
(Marco de Moraes)
Muito lindo Marco...
ResponderExcluirHá uma sensibilidade nesse texto que nos faz lembrar todas aquelas histórias daqueles que tanto tentaram uma vida de certeza.
Adorei a frase final, ela é de uma beleza digna de um Severino de João Cabral.
Um Xêro nordestino!
Parabéns pela forma da escrita.
ResponderExcluirA sutileza em usar a forma com que pessoas, geralmente sofridas e interioranas falam, traz todo um ar especial para o texto.
Palavras tocantes as tuas. Escrita fácil, e, direta ao ponto. Visceral. Parabéns pelo que li, pelo que entendi, e, pelo como me fizeste sentir depois de ter lido até o que estava por trás destas tuas palavras.
ResponderExcluirBelo texto Marco.
ResponderExcluirMuito fácil se ambientar na sua escrita e viajar contigo. Continue assim.
Beijos
@LeitoraIncomum
Muio lindo o texto. Faço minhas as palavras da Fernanda souza aqui em cima: "Muito fácil se ambientar na sua escrita e viajar contigo."
ResponderExcluirAdorei, como adoro tudo por aqui. :)
ResponderExcluirAh! Ressuscitei meu blog! rs
(de tempos em tempos isso acontece, né. sou uma eterna indecisa...)
Beijão
Belo texto Marco,
ResponderExcluirhouve um momento que me remeteu ao texto de Vidas Secas de Graciliano Ramos. Você com calango e o Graciliano com a cadela vira-latas Baleia.
Continue desenvolvendo o seu trabalho e lapidando seu estilo. Se agradou o público, este é o caminho.
Boa sorte!
Um abraço.
Edson Gomes
http://edprod.wix.com/psquico
Belo texto, Marco. Você sonhou, criou e materializou o sonho nas palavras. Continue sonhando, cada vez mais e mais, pois como disse Marcel Proust: "Se sonhar um pouco é perigoso, a solução não é sonhar menos, é sonhar mais". Parabéns...!!!
ResponderExcluirO outro destino de Fabiano, de Vidas Secas...
ResponderExcluirEsse é o retrato de tantos meninos que vi nascer e crescer no interior.
ResponderExcluirTexto muito bem escrito e emocionante, gostei muito sigo o blog.
Abraços